
Este não é mais um documentário clichê no qual a beleza da natureza sairia ressaltada e o homem maravilhado com as dádivas da criação do universo. Caso você queira esse tipo de material basta sintonizar a sua televisão a cabo nos canais que passam essa programação por várias horas ao longo do dia.
Timothy Treadwell, uma promessa do sonho americano que não deu certo, que chegou a conclusão que era melhor viver entre os ursos do que entre os humanos. Resolveu por contra própria e sem nenhum preparo acadêmico estudar e cuidar de ursos. Nada mais natural que Werner Herzog, renomado diretor de documentários se interessasse pela vida do ambientalista. Experiente e esperto, sabia que tinha um personagem poderoso nas mãos. O filme é, em sua maior parte, composto de imagens feitas por Treadwell ao longo dos seus últimos cinco anos de vida.
Por treze anos ele se instalou na península do Alasca durante o verão, às vezes acompanhado, e, nos últimos anos, com uma câmera na mão, com a qual registrou aquilo que chamava de pesquisa, já que apenas possui material gravado e nenhuma anotação que mostrasse ser resultado de um trabalho de cunho científico. Timmy permanecia junto dos ursos nas primaveras e verões,de alguns mantinha pouco mais de um metro de distância, às vezes arriscava um cafuné. Filmava e voltava para a Califórnia no inverno e no outono, época em que divulgava o seu material. Qual seria, então, a diferença entre Timothy e outros documentaristas da vida selvagem? A resposta é que Treadwell queria provar que os ursos são superiores à civilização. Em suma, nós mortais vivemos na barbárie, ao contrário dos ursos grizzlies (os mais ferozes ursos na face da terra).
Através de suas imagens, Treadwell se mostra melhor cineasta do que pesquisador ou ecologista, como o diretor definiu bem: “Há imagens que falam por si só”, em suas filmagens há momentos perfeitamente e registrados, muitos feitos de forma bem irresponsável, já que ficava dos animais a uma distância de enorme risco como em um dos principais highlights da fita quando ele praticamente treme de prazer ao filmar um urso defecando durante uma briga; depois, ele enfia os dedos no monturo, felicitando-se por tocar algo que “estava dentro dela agorinha”.
Por mais que o ambientalista se julgasse amigo dos ursos e achasse que estava ganhando a confiança dos animais, percebe-se que isso era fruto de sua imaginação e que, em vários momentos, ele esteve bem próximo do perigo. A Herzog coube selecionar o melhor material para o documentário, além de entrevistar os pais, amigos íntimos (muito poucos, por sinal) e a ex-namorada de Treadwell. O final foi como todos imaginavam: Ele foi devorado por um de seus "amigos" em outubro de 2003. Essa foi a primeira agressão do tipo registrada no Parque Nacional e Reserva Katmai. Esta é a lei da natureza que Treadwell não conseguiu entender. Por fim o protagonista conseguiu o seu intento.Está em outra realidade, sem medos, sem arrependimentos, sem glórias, o nada.
"O Homem Urso" não consegue mostrar quem foi Timothy Treadwell -- nem é esse o objetivo do filme. O que o diretor pretende é fazer uma investigação sobre o comportamento humano. O grande erro do filme, já que ele entra em uma verdadeira armadilha. O cineasta em alguns momentos parece estar protegendo os amigos e familiares de Timmy a não revelar o conteúdo de uma fita, muito estranha por sinal, a fita de acordo com o Werner e um médico legista que mais parecia um personagem de um filme de comédia, continha o áudio dos últimos minutos da vida de Timothy e sua namorada, o objeto vira o foco do documentário em certo momento porém ela nunca é ouvida, apenas relatos, revelar o conteúdo da fita não seria nenhum “crime” caso fosse feito com sensibilidade assim como fez perfeitamente Michael Moore com os vídeos da tragédia de Columbine . Esse intuito de proteção pode soar forçado para alguns já que na grande parte do filme WH traça Treadwell de uma forma caricata, bipolar e egocêntrico. O diretor foca em determinados aspectos em detrimento de outros logo a edição e montagem levam muitos a acreditarem que a realidade é aquela que está sendo ali mostrada, e por ser feita de forma pessoal/autoral é carregada de responsabilidades, como cita Felipe Pena: “O tecido atingido pela calúnia não se regenera. As feridas abertas pela difamação não cicatrizam. A retratação nunca tem o mesmo espaço das acusações. Creio que a primeira reação de muitas pessoas no começo da obra era de pena, diante da tragédia e já ao final tinham uma sensação diferente, como se o “Tarzã do Alasca” tivesse merecido esse final devido a vários atos irresponsáveis.
O que considerei antiético, já que o “ambientalista” não tem como se defender e aqueles que podem por ele interceder não parecem estar muito pré-dispostos a isso. É clara a sensação de frieza e desconforto dos pais ao darem a entrevista.
As maneiras de representar uma linha de tempo são autorais e na minha opinião, foi o grande trunfo desse trabalho, a forma sutil e inteligente que o diretor usou para representar o tempo. Rejeitando lettering ou clichês clássicos do cinema/documentário como folhas de calendário, momentos históricos relacionados aos anos correntes entre outros. O diretor usa o crescimento dos “amigos” de Timothy como o Urso e a Raposa, ambos no início do filme eram filhotes e vão crescendo juntamente com as imagens até aparecerem já na fase adulta. Através dessa montagem o diretor consegue com que captemos perfeitamente a ordem cronológica dos verões que Timothy passou com seus “amigos”.
No final minha impressão foi a de um filme com altos e baixos. Entre os baixos um médico agir como um ator de terceira linha ao apresentar seus fatos de forma ridiculamente cênica. Ou quando vemos a reação de Palowak ao receber de herança do amigo um relógio. Ou mesmo quando Herzog mostra a si mesmo ouvindo as gravações da hora exata da morte do casal. O melhor fica a cargo de Timothy que embora caricaturizado nos revela como alguém se impõe um regime de primitivismo utópico com o único intuito de negar sua condição de indivíduo, de ser social. Nos seus devaneios apresentados durante o filme vemos um homem em seu momento mais íntimo: o sonho. Momento o qual nunca deveria ser revelado contudo Treadwell nos providenciou despido de todos os preconceitos e máscaras. O anti-herói acabou como queria, longe da civilização que tanto lhe fez mal... Antes da lei dos homens, a lei da selva.
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